Vitória para as meninas, condenações históricas exigem que Equador e Nicarágua garantam que nenhuma menina seja obrigada a ser mãe.

- Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas condenou os Estados do Equador e da Guatemala por violação dos direitos humanos de duas meninas sobreviventes de violência sexual
- A decisão é um marco histórico na garantia dos direitos reprodutivos em nível global, pois obriga os Estados a reformarem suas legislações para assegurar a interrupção voluntária da gravidez e que as meninas não enfrentem gravidezes e maternidades forçadas.
- O Movimento Son Niñas, No Madres (São Meninas, Não Mães) celebra essa decisão inédita para prevenir que qualquer outra menina seja forçada a ser mãe e para oferecer reparações específicas às três sobreviventes.
Neste 20 de janeiro de 2025, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas proferiu duas decisões históricas que condenam os Estados do Equador e da Nicarágua por violarem os direitos humanos de de Norma, Lucía y Susana, três meninas latino-americanas sobreviventes de violência sexual que foram forçadas à maternidade, reconhecendo que as meninas devem ser isso: meninas, e não mães.
As decisões são resultado de uma estratégia de litígio internacional iniciada pelo Movimento São Meninas, Não Mães*. Esta coalizão formada por cerca de uma dezena de organizações, trabalha para informar sobre as graves consequências da violência sexual e das maternidades forçadas na vida das meninas latino-americanas, assim como para somar esforços para exigir a proteção de seus direitos.
As decisões proferidas pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas são de cumprimento obrigatório e instam os Estados condenados a adotar medidas de reparação para as vítimas e medidas de não repetição, para prevenir a repetição de tais violações. Além disso, possibilitam a extensão da justiça que Norma, Susana e Lucía obtêm hoje a milhares de meninas em todo o mundo, pois a jurisprudência internacional dessas decisões se aplica aos mais de 170 Estados signatários do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
O Comitê de Direitos Humanos da ONU reconheceu queEquador e Nicarágua violaram os direitos das sobreviventes à vida e à vida digna, a apresentar recursos efetivos à justiça, a não sofrer tortura nem tratamentos cruéis e desumanos, à vida privada, à informação, à igualdade e à não discriminação.
Como resultado dessas decisões, o Comitê reafirmou que os Estados são obrigados a garantir o acesso ao aborto e a eliminar os obstáculos existentes para que meninas, mulheres e todas as pessoas possam acessar esse serviço de saúde, especialmente em casos que geram sofrimentos intensos, como as gestações resultantes de violência sexual ou quando implicam riscos à vida e à saúde. Além disso, o Comitê instou os Estados a remover os obstáculos ao acesso efetivo de mulheres e meninas à justiça e lembrou que, no caso de meninas, a impunidade constitui um agravante.
Conheça as histórias completas (em espanhol) aqui
As decisões são históricas porque, pela primeira vez, o Comitê reconhece que a maternidade forçada interrompe e dificulta os objetivos pessoais, familiares, educacionais e profissionais; restringe gravemente o projeto de vida das meninas e afeta seu direito a uma vida digna. Além disso, destacou expressamente que negar o acesso a serviços de saúde reprodutiva reforça os estereótipos de gênero baseados na função reprodutiva da mulher e constitui uma forma de discriminação interseccional baseada em gênero e idade.
O que dizem essas condenações e como elas respondem a uma problemática da região?
Essas histórias refletem a falta de proteção e a violência enfrentadas pelas meninas na região, representando o rosto de uma epidemia crescente na América Latina e no Caribe. A América Latina e o Caribe possuem a segunda maior taxa de partos de meninas menores de 15 anos no mundo. De acordo com dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), cinco em cada 100 meninas da região tornaram-se mães em 2021.Cerca de 20% dessas gestações são resultado de violência sexual, e em muitos casos envolvem abusos e violações repetidas. Estima-se que 80% das violações na América Latina e no Caribe têm como vítima uma menina de 10 a 14 anos (CIDH, 2019).
Esse cenário é ainda mais crítico quando se considera que a mortalidade materna é uma das principais causas de morte entre meninas e adolescentes na região das Américas (OPS, 2017).
Norma, Susana e Lucía contaram suas histórias para que outras sobreviventes possam escolher seus caminhos e superar a violência. Baseado nesses casos e considerando a problemática estrutural da América Latina, o Comitê estabeleceu medidas históricas de alcance global. As mais destacadas incluem:
- Modificar a legislação para garantir o acesso à interrupção voluntária da gravidez de maneira segura, legal e eficaz,especialmente em casos que envolvam sofrimentos intensos, como as gestações resultantes de violação sexual, ou quando implicam risco para a vida ou a saúde da pessoa grávida. Isso para garantir que sejam oferecidos serviços de saúde integrais, incluindo o aborto, e que sejam eliminadas as barreiras de acesso.
- Empreender ações para combater a violência sexual em todos os setores, incluindo ações educativas e de sensibilização para prevenir, atender e judicializar esses casos, além de oferecer uma reparação integral para as sobreviventes.
- Capacitar profissionais de saúde e operadores da justiça sobre atendimento integral em casos de violência sexual e garantir uma atuação efetiva quando houver perigo devido a antecedentes de agressões similares.
- Aplicar medidas de reparação individual, como a indenização às sobreviventes, apoio para retomar seus estudos, acompanhamento psicológico e outras medidas que lhes permitam retomar seus projetos de vida e alcançar suas metas educacionais, profissionais e familiares, interrompidos anteriormente pelas maternidades forçadas.
“Decidimos chamar essas condenações de ‘As decisões Meninas, Não Mães’ porque não queremos apenas que as pessoas as conheçam, mas que se reconheça que são produto da valentia de Norma, Susana e Lucía. Buscamos, acima de tudo, que se garanta o que exigem: que as meninas nunca sejam obrigadas a abandonar sua infância devido a gravidezes e maternidades forçadas, e que seja respeitado o direito delas a viver uma vida digna e livre de violências. afirmaram as organizações integrantes do movimento, como Surkuna (Equador),Mujeres Transformando el Mundo (Guatemala), o El Observatorio en Salud Sexual y Reproductiva (Guatemala), e Promsex (Peru).
“Estas condenas são um triunfo mundial da luta feminista pela autonomia reprodutiva, neste caso, em nome das meninas sobreviventes de violência sexual. Quando são forçadas a serem mães, não há apenas uma revitimização das crianças, mas coloca-se em risco sua saúde e seus projetos de vida. O aborto é um serviço essencial de saúde e deve ser garantido como tal”, declarou Catalina Martínez Coral, vice-presidência regional do Center for Reproductive Rights, uma das organizações colitigantes do movimento.
“O sistema de direito internacional colocou no centro dessas condenações as necessidades das meninas, especialmente aquelas que enfrentam maiores barreiras ou que se veem sem opções devido a normas restritivas que as deixam sem alternativas diante de uma maternidade forçada. Hoje, mais do que nunca, continuaremos oferecendo ferramentas para que todas as pessoas possam exigir que os Estados condenados prestem contas sobre os avanços na implementação dessas decisões, acrescentou Marianny Sánchez, Diretora de Comunicações para a América Latina da Planned Parenthood Global, uma das organizações fundadoras do movimento.
Diante do contexto nicaragüense, o Movimento ‘Son Niñas, No Madres’ faz um apelo urgente à comunidade internacional para que exija a Nicarágua o cumprimento das condenações e reforce os mecanismos de monitoramento, demandando do Estado a apresentação de dados verificáveis e transparentes sobre a situação de meninas e adolescentes, além da modificação dos marcos legais para garantir os direitos e serviços de saúde reprodutiva, incluindo a interrupção voluntária da gravidez.
As organizações que integram o movimento ‘Son Niñas, No Madres’ reiteram seu apoio às meninas, mulheres e organizações que não podem levantar suas vozes por medo de represálias na Nicarágua. Sabemos que muitas compartilham essa causa e que, mesmo com suas vidas e integridade em risco, continuam trabalhando para que as meninas sejam isso: meninas, e não mães.
A essas decisões se soma a condenação que o Comitê de Direitos da Criança das Nações Unidas emitiu contra o Peru em 13 de junho de 2023, também resultado da estratégia de litígio internacional conduzida pelo Movimento ‘Son Niñas, No Madres’, diante do caso de Camila, que aos 13 anos, após sofrer repetidas violações por parte de seu pai, foi forçada a continuar a gravidez e, posteriormente, criminalizada após sofrer um aborto espontâneo.
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*Sobre o Movimento ‘Son Niñas, No Madres’: (em português: ‘São Meninas, Não Mães’) é um movimento regional a favor dos direitos das meninas latino-americanas que liderou o inovador litígio estratégico dos casos de Norma, Fátima, Susana e Lucía perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Os casos de Susana e Lucía, ambas da Nicarágua, ainda estão pendentes de decisão. As organizações co-litigantes são o Center for Reproductive Rights (Global), Planned Parenthood Global (Global), Mujeres Transformando el Mundo (Guatemala), El Observatorio en Salud Sexual y Reproductiva (Guatemala), Surkuna (Equador) e Promsex (Peru), que elaboraram uma estratégia de litígio conjunta, de alcance internacional, para evitar que esses casos se repitam e gerar as reparações correspondentes. O movimento busca informar sobre as graves consequências da violência sexual e das maternidades forçadas nas meninas. Foi fundado pela Planned Parenthood Global, Anistia Internacional, o Grupo de Información para la Reproducción Elegida (GIRE) e o Consórcio Latino-Americano contra o Aborto Inseguro (CLACAI) com o objetivo de informar sobre as graves consequências da violência sexual e das maternidades forçadas nas meninas. ‘Son Niñas, No Madres’ hoje é composto por mais de uma dezena de organizações de toda a região das Américas para assegurar que todas as meninas possam crescer saudáveis, fortes e seguras, e possam tomar decisões livres e informadas sobre sua saúde e seu futuro.
Para mais informações:
Vanesa Restrepo
Centro de Derechos Reproductivos
WhatsApp: +57 301 5167110
Daniel Ruge
Centro de Derechos Reproductivos
WhatsApp: +1 (863)2669846